24 fevereiro 2010

Colorido

Meus olhos piscam. Mais uma vez. E outra. Em um ritmo frenético. Como se eu pudesse ver a freqüência da televisão invadindo minha retina e percorrendo os nervos ópticos até que eu pudesse decodificar cada estímulo luminoso e formasse pouco a pouco a imagem em minha memória. Que imagem? Estou parado sentado piscando. O sono bate, mas não quero dormir. Ela me seduz. Ajeito-me no sofá, a posição está incomoda. Minhas costas doem, reluto em aceitar mas sei que é devido ao fato de estar sentado há muito tempo no sofá olhando a televisão, vidrado , concentrado e absolutamente perdido por não ter idéia de tudo o que eu assisti.
Faço um tour com um controle remoto em todos os canais, procurando algo interessante. Iludo-me seguidas noites em busca de uma novidade. A casa está apagada, completamente escura. Os únicos sons são dos cachorros que latem longinquamente e a televisão. Não, espera, a televisão não faz som. Agora olhando atento, escuto um diálogo qualquer sobre um assunto que eu não compreendo. Ahhh ela está ligada. Devia ter prestado atenção desde o começo. Vou mudar de canal. Um cachorro late perto de casa, desvio meu olhar para o lado esquerdo e procuro ver se existe algo diferente. Ele passa latindo. Volto a minha rotina. Pisco, três vezes seguidas, bocejo. Estou com sono, mas não queria. Já sei! Vou buscar uma Coca-Cola ela sempre me desperta.
Levanto e observo a casa escura, meu próximo desafio atravessar a casa sem acender as luzes, chegar na cozinha, me servir e voltar sem acordar ninguém. Não, espera aí. Eu moro sozinho. Tudo bem vou encarar o desafio.
Os primeiros passos são tranqüilos o brilho azul me guia até o primeiro portal. Dali em diante são sete passos até a porta da cozinha à direita, mais três passos e estou na geladeira. Pronto plano definido só falta executar. Levanto do sofá e caminho até o portal. Breu. Os três primeiros passos são confiantes, olho para trás e a luz azul fosca me convida a desistir. A tentação por segundos me domina, mas um bocejo me enche de coragem para prosseguir afinal de contas faltam apenas sete passos. Respiro fundo e continuo, quatro passos tateio a parede e encontro a entrada da cozinha. Minha respiração está ofegante, olho mais uma vez para trás a luz azul parece distante. Sigo três passos, desvio da mesa e pronto a geladeira. Abro a porta e a luz amarela é agradável, mas não reconfortante quanto a luz azul que me aguarda lúgubre do outro lado da casa.
Coloco a mão sobre a geladeira, pego uma caneca de vidro, caneca sobre a mesa, garrafa na mão. Preencho a caneca, fecho a garrafa, guardo e empurro a porta. Breu. Merdaaaaa! Cadê minha caneca? Sinto-me um idiota. Tateio dois segundos e abro a geladeira de novo. Avisto a caneca, recolho fecho a geladeira e caminho de volta. A volta é rápida e tranqüila sigo como referência a luz no fim do corredor. Paro na entrada avisto a TV postada frente ao sofá. Aquele cone de luz azul enche meus olhos de água, é como se eu voltasse para casa depois da guerra. Mas todo este conforto carrega um sentimento de tristeza que não sei explicar. É uma imagem difusa no meu cérebro, misto de emoções e projeções. Só me resta desfrutar daquilo que tanto me agrada. Caminho até o sofá, sento confortavelmente. Braço no braço do sofá, caneca na mão. Luz no corpo. Observo tudo em volta, está tudo perfeito.
Quase perfeito!Uma lágrima escorre dos meus olhos quando ergo a cabeça e vejo aquela imagem na tela. As faixas coloridas iluminam todo o retângulo brilhante. Onde estão meus amigos? A caneca se solta da minha mão, se espatifa em mil pedaços no chão, o líquido escorre em meus pés. Eu sinto molhado, mas não olho. Tenho o olhar fixo.
Meus olhos piscam. Mais uma vez. E outra. Quero estar aqui quando eles voltarem!

18 fevereiro 2010

Faísca de Vida